Fonte: Wikipedia
Um compositor americano (por mais que eu tente, a minha já provecta idade não me deixa lembrar o nome dele :-)) me disse certo dia: “esteja o mais auditivamente receptivo possível na primeira vez que escutar uma música. Esta será uma oportunidade única”. Parei pra pensar no que ele efetivamente queria me dizer e lembrei-me da primeira vez que ouvi três músicas. Cronologicamente: A famosa ária da 4ª corda da Suíte Orquestral nº 3 em Ré maior do grande Johann (o Sebastian Bach); o Prelúdio da Bachiana nº 4 de Villa-Lobos e a Paixão de Cristo segundo São Lucas de Penderecki. Cada um ao seu modo, e ao seu tempo, esses foram momentos que mudaram definitivamente a minha vida. Villa-Lobos e Bach têm certas possibilidades associativas já que, inclusive, como o próprio nome diz, as “Bachianas” são uma série que Villa compôs em homenagem a Bach ou influenciado por ele. Também são, as duas, partes de composições estruturalmente maiores. Já a audição do Penderecki teve algumas especificidades únicas: a primeira é que falamos de uma composição super extensa, não só horizontal quanto verticalmente (fiz a audição acompanhando pela imensa partitura); depois tem o fato sonoro: era o conceito de música levado até um ponto inimaginável pra mim, naquela altura. Não dá pra falar, tem que ouvir.
Krzysztof Penderecki é polonês de Debica (a grafia original tem uma inusitada cedilha no “e” 🙂 ), perto da Cracóvia, nascido em 1933. O incrível aparato de diferentes sonoridades da Paixão indicam um compositor de múltiplas influências. Como todo bom subversor de sons desde Schönberg, foi às últimas conseqüencias do atonalismo mas depois disse arrego à harmonia.
A entrevista transcrita abaixo foi publicada na Folha de São Paulo, à época de sua vinda ao Brasil em junho de 2004. É sempre revigorante entrar em contato com as idéias de homens como Pendereck, que fizeram história pela sua postura pessoal e pelo seu caráter criativo.
Maestro polonês rege Osesp com música litúrgica feita como protesto
JOÃO BATISTA NATALI
Folha de S.Paulo em 09/06/2004
Krzysztof Penderecki Estará regendo a Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado) com um de seus grandes trabalhos litúrgicos, o “Réquiem Polonês”, cujos trechos foram basicamente compostos entre 1980 e 1984 e justapostos para estrearem em 1993.
É uma música densa, já alheia ao atonalismo estridente que marcou sua produção até os anos 70. Ele é considerado um dos grandes remanescentes da vanguarda musical da segunda metade do século passado.
Folha – Até que ponto o “Réquiem Polonês”, por sua composição tão espaçada, não seria a síntese de suas idéias musicais mais recentes?
Penderecki – O “Réquiem” marca momentos capitais na luta pela liberdade na Polônia, quando acreditei ser necessário dizer musicalmente alguma coisa. O primeiro trecho foi escrito quando Lech Walesa, então líder sindical e bem mais tarde presidente da Polônia, me pediu uma música para a inauguração de um monumento pelos mortos nas greves dos estaleiros de Gdansk. Meses mais tarde morreu o cardeal Stefan Wyszynski [(1901-1981), espécie de modelo espiritual do futuro João Paulo 2º e notabilizado por ter afrontado o regime comunista]. Para seus funerais escrevi a “Lacrimosa”.
Folha – Mas não se trata mais de uma obra litúrgica atonal como a “Paixão segundo São Lucas”, do final dos anos 50.
Penderecki – Eu diria que o “Réquiem” é uma súmula de idéias bem posteriores à “Paixão” e a outras peças sacras. Mas o que importa não é tanto a evolução formal de minha linguagem, mas o fato de haver um conteúdo político e cultural que tinha na música religiosa uma forma de protesto.
Folha – O catolicismo é muito importante em sua vida?
Penderecki – Quando comecei a escrever música religiosa, no final dos anos 50, o gênero era rigorosamente proibido na Polônia, que era e ainda é o grande país católico do Leste Europeu. Minha mentalidade rebelde procurava fazer o que era proibido. “São Lucas” foi interpretada pela primeira vez na Alemanha Ocidental. Só em 1966 as autoridades permitiram que fosse executada na Cracóvia.
Folha – As idéias do Partido Comunista eram muito conservadoras e ortodoxas com relação à harmonia. O atonalismo não tinha nada a ver com a música oficial?
Penderecki – Com certeza. Eu na época admirava bastante Olivier Messiaen [(1908-1992), compositor francês que foi o mestre do pós-dodecafonismo e que deixou importante produção litúrgica]. Minha música era bastante diferente daquela que ele escrevia. Mas ele era na época o único a escrever a grande música sacra. Quanto à ortodoxia dos comunistas, é inegável. Eram muito conservadores.
Folha – A palavra “vanguarda” ainda significa alguma coisa?
Penderecki – A meu ver, essa palavra designa apenas a música escrita entre o final dos anos 50 e o início dos anos 60. Foi a época do experimentalismo radical. Hoje seria ridículo, passadas quatro décadas, tomá-la como referência. Os compositores que começaram a produzir depois não empurraram a estética até o ponto em que minha geração o fez.
Folha – A seu ver, em que direção a música hoje em dia está caminhando?
Penderecki – É uma pergunta que ninguém seria capaz de responder. Só um profeta poderia fazê-lo. Depois da geração de vanguarda, surgiram correntes mais apegadas à antiga tradição musical. Já se afastava da modernidade tal qual a definíamos nos anos 20 do século passado. Mas não sei o que será em breve predominante. Pode ser que seja algo diferente. Minha geração fechou muitas portas atrás de si própria para permitir que hoje certos caminhos fossem percorridos.
Folha – O sr. poderia exemplificar isso?
Penderecki – Eu me refiro à música instrumental, ao potencial de produção de sons dentro de uma orquestra ou de um conjunto de câmara, que usam instrumentos concebidos há 300 ou 400 anos. Essas possibilidades já foram exploradas. É provável que dentro da música eletrônica algum potencial ainda possa dar frutos.
Folha – Hoje as coisas são sempre “pós” alguma coisa, não é?
Penderecki – Fala-se em “pós-romantismo”, quando em verdade há uma produção que não tem propriamente raízes no romantismo e que vai bem mais longe que as trilhas abertas pelo final do romantismo. Os primeiros “pós” surgiram em meados dos anos 70, mas no início dos anos 80 já não tinham muito a dizer.
Folha – Como o sr. reage quando hoje o qualificam de “pós-mahleriano” ou “pós-wagneriano”?
Penderecki – Não creio que minha música tenha hoje uma filiação direta com esses ou outros compositores. Escrevo música de Penderecki.
Folha – No que o sr. está hoje trabalhando?
Penderecki – Estou completando a segunda de minhas “Paixões”. Será a “Paixão segundo São João”. Ela deverá estrear no ano que vem em Dresden.
Folha – Algum plano de ópera, depois do “Ubu Rei”?
Penderecki – Estou já com alguns esboços prontos para uma próxima ópera. Será “Fedra”, encomenda do Teatro Real de Madri.
Olá!
Gostaria de saber se por acaso teria como me passar o e-mail do Sr. Penderecki.
Sou estudante universitário e estou estudando este compositor. Como ele ainda é vivo gostaria de entrar em contato.
Desde já agradeço a atenção.
Olá Dani:
Infelizmente não tenho o e-mail pessoal de Penderecki. Mas acho que uma busca pela Internet levará a algum resultado. Já perguntou ao grande oráculo, o Google?
Olá Luciano!
Obrigada por responder! Andei visitando o oráculo e achei algumas das respostas de que precisava! Mesmo assim ainda preciso entrar em contato com ele! Já estou dando um jeito nisso!
Bom final de semana e mais uma vez obrigada!
Bem, o caro Penderecki resolveu nao ter mais correio eletronico
porque e mais um velho rabugento e ranzinza!
Acho que ele merece é muito respeito..